Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Crime militar e suas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais - Benevides Fernandes Neto

    há 15 anos

    Como citar este artigo: FERNANDES NETO, Benevides. Crime militar e suas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais. Disponível em http://www.lfg.com.br. 29 de março de 2009.

    RESUMO: O presente artigo busca sedimentar, junto à comunidade jurídica, alguns conceitos sobre o Direito Militar, ramo especializado da Ciência Jurídica, possuidora do primeiro Tribunal Superior instalado no País e, assim, considerada como a mais antiga Justiça brasileira. Procuramos trazer a lume conceitos doutrinários e jurisprudenciais sobre Direito Penal Militar e crime militar, apresentando critérios de interpretação práticos para a correta análise e subsunção do fato concreto à norma posta.

    SUMÁRIO:

    1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO MILITAR

    2. CRIME MILITAR

    3. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MILITAR

    4. HIPÓTESES DO ARTIGO DO CPM E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS

    5. CASOS ESPECIAIS:

    5.1. O Advogado Militar

    5.2. O Parlamentar Militar

    5.3. Serviço Auxiliar Voluntário

    6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    7. NOTAS 1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO MILITAR

    O Direito Militar é um ilustre desconhecido da maioria dos doutrinadores e operadores da Ciência Jurídica. Como se sabe, poucas são as Instituições de Ensino Superior que possuem em sua grade curricular a referida disciplina e, mesmo assim, em muitas delas, apenas e tão somente como disciplina optativa. Esse esquecimento vem relegando, propositadamente, a segundo plano, o engrandecimento desse ramo especializado do Direito, chegando ao ponto da completa discrepância entre muitos de seus preceitos com aqueles estabelecidos pelo Direito Penal e Processual Penal Comum, uma vez que estes têm sido, continuamente, objeto de reforma de seus institutos e procedimentos, ao passo que o Direito Militar é proscrito deliberadamente dessa necessária atualização.

    Apenas para citar, en passent , uma vez que pretendo escrever detalhadamente sobre este tema ("Fábula dos Proscritos"), cumpre indicar que o Código de Processo Penal Comum foi seguidamente alterado por 46 (quarenta e seis) diplomas normativos desde a sua promulgação, ao passo que o Código de Processo Penal Militar (CPPM), codex mais recente que aquele (1941 x 1969), foi atualizado em apenas 05 (cinco) oportunidades (Leis nº 6.544 /78, 7.040 /82, 8.457 /92, 8.236 /96 e 9.299 /96). Essa apatia legiferante tem causado sérios e significativos prejuízos à prestação jurisdicional e aos direitos dos jurisdicionados, causando, não muitas vezes, a prescrição dos delitos pela demora na definitividade dos julgados.

    Nem se diga que o Código Penal Militar (CPM) tenha escapado imune a essa situação. Pelo contrário, sofreu apenas alterações pontuais pelas Leis nº 6.544 /78, 9.299 /96 e 9.764 /98, que passam ao largo das intensas modificações que vem sofrendo o Código Penal Comum, o qual, além da Reforma Penal de 1984, tem sofrido contínuas mudanças ao longo dos anos, principalmente em face da edição do Estatuto do Idoso e da Lei Maria da Penha .

    Apenas para debruçarmos em algumas das discrepâncias existentes entre a legislação penal comum e a militar, basta apontarmos a omissão do legislador em alçar à condição de crimes hediondos os delitos elencados pela Lei nº 8.072 /90, que também possuam igual previsão no CPM , assim como a brutal diferença da sanção penal prevista para os delitos de porte e tráfico de drogas na Lei de Droga (Lei nº 11.343 /06), respectivamente, penas restritivas de direito (advertência, prestação de serviços e comparecimento a programa/curso educativo) e pena privativa de liberdade (reclusão de 05 a 15 anos), em contraponto ao preceito sancionador do artigo 290 do CPM (tipo alternativo que engloba o porte e o tráfico), que prevê a imposição de reclusão de 01 a 05 anos.

    Sobre o assunto, colha-se a magistral lição do doutrinador Fernando Antonio Nogueira Galvão da Rocha, eminente Juiz do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais:

    "Pode-se constatar, lamentavelmente, que ao longo dos últimos anos as políticas públicas implementadas para o melhor enfrentamento da criminalidade têm centrado atenções na Justiça comum e esquecido os conflitos sociais que envolvem os militares. Diversas foram as alterações introduzidas no Código Penal comum e no Código de Processo Penal comum que visaram qualificar a intervenção punitiva, bem como obter maior efetividade na relação processual penal. Tais intervenções político-criminais, formalmente, não atingiram a Justiça Militar" [ 1 ].

    Volvemos nossos olhos, entretanto, para o tema em deslinde. O direito penal e processual brasileiro pode ser dividido, doutrinariamente, em comum e especial, situando-se o Direito Penal Militar como direito penal especial, uma vez que se destina, precipuamente, a preservar as finalidades essenciais das Instituições Militares (Federais e Estaduais).

    Assevera o jurista Elias da Silva Correa que:

    "Em que pese a proteção dos bens jurídicos essenciais ao convívio social, como a vida, a liberdade, o patrimônio, o Direito Penal Militar tem implícito, sempre, a tutela de um bem jurídico especial, que é a regularidade das Instituições Militares, no que concerne a hierarquia e disciplina, cuja quebra acarretaria sua desestabilização e a desregularidade de suas missões constitucionais peculiares" [ 2 ].

    Segundo o mestre Romeiro (1994, p. 01), pode-se afirmar que o Direito Penal Militar "consiste no conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar, cominando-lhes penas, impondo medidas de segurança e estabelecendo as causas condicionantes, excludentes e modificativas da punibilidade".

    Para Pietro Vico, "a lei penal militar [...] mira diretamente a incriminação de ofensas a especiais deveres, e tem em consideração a qualidade da pessoa enquanto ela se torna culpada da violação de tais deveres; nem se afasta do direito comum, senão somente quando as disposições deste são incompatíveis com a índole dos crimes militares" [ 3 ]. Aduz o preclaro jurista que, "assim, a lei penal militar, embora formando o direito próprio e particular dos militares, é sempre, por outro lado, uma lei especial em confronto com a lei penal geral".

    2. CRIME MILITAR

    Ainda que se trate de um dos ramos mais antigos do Direito, remontando seu surgimento, no Brasil, à época do Príncipe Regente, que por Alvará de 1º de abril de 1808 criou o Conselho Supremo Militar de Justiça, não se delimitou, ainda, o conceito sobre crime militar. A legislação, seja na Carta Constitucional (art. 5º, LXI, 124 e 125, § 4º) ou nos diplomas castrenses (CPPM e CPM) não o define, não sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência os critérios para sua classificação.

    Bem por isso, o saudoso mestre Mirabete já afirmava que "árdua por vezes é a tarefa de distinguir se o crime se o fato é crime comum ou militar, principalmente nos casos de ilícitos praticados por policiais militares" [ 4 ].

    Para o Ministro Orozimbo Nonato, "o conceito de delito militar foi sempre considerado, nos domínios da doutrina, como dos mais tormentosos. 'Doctores certant' e deles, alguns, desenganados de qualquer critério científico, apegam-se sobretudo ao simples critério legal. Não, porém, sem relutâncias e dúvidas. O critério legal quando moderado e sem quebra de princípios essenciais, é o que vem norteando a jurisprudência" [ 5 ].

    Nessa mesma linha de raciocínio, aduzia ainda que "essas dificuldades são tão importantes que muitos juristas, desenganados do critério doutrinário, seguem o critério objetivo da lei. Crime militar é o definido na lei como militar". Igual entendimento é seguido por Jorge Alberto Romeiro (1994).

    Essa assertiva encontra correlação lógica quando contraposta aos preceitos contidos no inciso LXI do artigo 5º ("ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei"), artigo 124 ("Á Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei") e § 4º do artigo 125 ("Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei...").

    Segundo Esmeraldino Bandeira, "em nossa legislação cinco são os critérios para a qualificação do crime militar: ratione materiae, ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione legis " [ 6 ].

    Comentando as disposições do artigo do CPM , aduz Álvaro Mayrink da Costa que "o legislador [...] adotou o critério ' ratione legis ', isto é, crime militar é o que a lei obviamente considera como tal. Não define, enumera. Não quer dizer que não haja cogitado dos critérios doutrinários ' ratione materiae', 'loci', 'personae' ou 'ratione numeris '. Apenas não são expressos, pois o estudo do art. 9º revela que, na realidade, estão todos ali presentes" [ 7 ].

    Comungamos da mesma opinião, ou seja, de que os crimes militares são aqueles definidos em lei, adotando-se, portanto, o critério ratione legis , conforme se depreende da leitura do inciso LXI do artigo , artigo 124 e § 4º do artigo 125 , todos da Carta Magna .

    Da análise dos dispositivos constitucionais acima citados depreende-se, ipso facto , a existência de crimes propriamente militares e, em contraposição, de crimes impropriamente militares. Destarte, crimes propriamente militares são aqueles cuja ação penal somente pode ser intentada contra militares, tendo em vista a sua situação funcional, ou seja, exige uma qualidade pessoal do agente, abarcando os crimes que não possuam igual definição na lei penal comum, tais como a Deserção, a Embriaguez em Serviço e a Violência contra Superior. Esse também o entendimento de Jorge Alberto Romeiro.

    O critério acima utilizado se deve, principalmente, em virtude da existência de delitos militares que não possuem igual definição na lei penal comum e que são cometidos por civis, mormente os capitulados no Capítulo I do Título III (Dos Crimes contra o Serviço Militar e o Dever Militar), daí não se poder afirmar que crimes propriamente militares são todos aqueles que não possuam igual definição na legislação comum, como alguns conceituam, uma vez que os delitos acima mencionados não encontram definição no Código Penal e são cometidos por civis, tratando-se, por óbvio, de crimes impropriamente militares.

    Célio Lobão leciona que "o grupo específico dos crimes propriamente militares é constituído por infrações que prejudicam os alicerces básicos e específicos da ordem e disciplina militar, que esquecem e apagam, com o seu implemento um conjunto de obrigações e deveres específicos do militar, que só como tal pode infringir"[ 8 ].

    Pontua Ramagem Badaró que "os crimes propriamente militares dizem respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar" [ 9 ].

    Os crimes impropriamente militares, ou acidentalmente militares, por sua vez, podem ser cometidos pelos militares e, em situações excepcionais, também por civis, abrangendo os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum.

    Nos dizeres de Jorge Alberto Romeiro (1994, p. 68):

    "crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições, a lei considera militares, como os crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, entre outros. São também impropriamente militares os crimes praticados por civis, que a lei define como militares, como o de violência contra sentinela (CPM , art. 158)"[ 10 ].

    Porém, não basta que ocorra a subsunção do fato à norma típica, uma vez que os crimes militares apresentam tipicidade indireta, ou seja, há necessidade de se complementar as normas da parte especial com algumas das situações elencadas nos artigos (em tempo de paz) ou 10 (em tempo de guerra) do CPM . Nesse contexto, diante do caso concreto, deve-se primeiro verificar se o fato encontra subsunção em algum dos delitos previstos no Livro I (Crimes militares em tempo de paz) ou no Livro II (Crimes militares em tempo de guerra) para, em seqüência, apontar se as circunstâncias que envolvem o delito amoldam-se aos critérios previstos nos incisos I , II e III do artigo e 10.

    3. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MILITAR

    Na análise do caso concreto, não basta ao operador do Direito, diante da citada tipificidade indireta do crime militar, apenas e tão somente se deter diante da subsunção do fato delituoso a algum tipo penal descrito na Parte Especial e em alguma das hipóteses do artigo 9º ou 10 do CPM . Isto se deve ao fato, precipuamente, de que o crime militar não se limita aos atos praticados por militares da ativa, mas também se inserem nas condutas praticadas por militares inativos (reserva e reformado) e civis.

    Assevera Moraes (2003, p. 40) que "não se pode confundir a figura do crime militar com os crimes praticados pelos militares. O militar, estando de serviço ou de folga, pode praticar crimes definidos no CPM , bem como crimes previstos em outras normas penais. Por outro lado, o CPM prevê diversas figuras típicas que podem ser praticadas por civis".

    Como se sabe, prescreve a Carta Magna que"à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei"(artigo 124). Ve-se, portanto, que a Justiça Militar Federal tem sua competência delimitada ratione materiae , ou seja, incumbe-lhe, sem exceções, julgar os delitos castrenses definidos em lei, sejam estes praticados por militares da ativa, da reserva, reformados ou por civis, apontando-se, em relação aos inativos e aos civis, que, nos exatos termos do inciso III do artigo , sua conduta deve ter por finalidade ofender as Instituições Militares.

    A Justiça Militar Estadual, por sua vez, não possui competência tão abrangente quanto a sua congênere. De acordo com o § 4º do artigo 125 da CF/88 , compete-lhe processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei. Nota-se, assim, que sua competência é ratione materiae e ratione personae , ou seja, sua área de atuação é mais restrita que a Justiça Militar Federal, uma vez que se lhe atribui competência para julgar, apenas, os crimes militares praticados pelos militares estaduais, os quais, por força do artigo 42, abrangem os membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares.

    A interpretação das regras constitucionais e infraconstitucionais é de suma importância para a formação da convicção jurídica quanto à configuração ou não do crime militar. Bem por isso, o ilustre doutrinador Cícero Robson Coimbra Neves apresenta uma ferramenta imprescindível para tal mister:

    "a identificação do delito militar se materializa por uma tríplice operação, sendo importante responder a três indagações e, somente com resposta afirmativa a todas elas, teremos um crime militar nas mãos. Primeiramente, para que o fato seja crime militar é preciso que esteja tipificado na Parte Especial do Código Penal Castrense. Vencida essa pergunta, passa-se à análise da Parte Geral, verificando se o art. 9º, por seus incisos, subsume o fato, o adjetivando como crime militar. Finalmente, busca-se verificar se o sujeito ativo pode cometer o delito militar na esfera em que se aplica o CPM , questão que excluirá o crime praticado por adolescente, malgrado a previsão do art. 50 e 51 do referido Codex, e, somente no âmbito estadual, o delito praticado por civis"[ 11 ].

    Noz dizeres do autor, portanto, poderíamos assim sintetizar a caracterização do crime militar, respondendo afirmativamente às três assertivas abaixo:

    1º) o fato está previsto na parte especial do CPM?

    2º) a conduta se amolda às circunstâncias previstas em algum dos incisos do artigo 9º?

    3º) a Justiça Militar é competente para julgar o sujeito ativo do crime?

    4. HIPÓTESES DO ARTIGO DO CPM E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS

    Nesse ponto é que surgem as maiores controvérsias a respeito do que venha a ser considerado crime militar. Dividem-se as opiniões doutrinárias e jurisprudenciais, ora decidindo conforme a norma posta, ora restringindo o alcance de seu conteúdo.

    Segundo Moraes (2003, p. 40), "por estabelecer critérios para a caracterização dos crimes militares em tempo de paz, o artigo 9º merece uma detalhada análise, face à sua irrestrita importância prática". Indica o jurista, ainda, que a confusa redação de seus incisos exige "um esforço de interpretação para que haja coerência e harmonização de critérios entre os três incisos de tal artigo, particularmente no que se refere à definição dos sujeitos ativos de tais delitos" (p. 42).

    Vejamos, detalhadamente, as disposições do referido artigo:

    "Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;"

    O comando normativo trata dos delitos que sejam previstos na lei penal comum, de forma diversa, a exemplo do crime de desobediência [ 12 ], e daqueles que nela não sejam previstos, ou seja, cujos tipos penais pertençam exclusivamente à Parte Especial do CPM .

    Essa exclusividade decorre, precipuamente, da necessidade de coibir condutas que venham a colocar em risco o regular desenvolvimento dos serviços prestados pelas Instituições Militares, que podem ser seriamente afetadas com a eclosão dessas condutas. Basta, para exemplificar tal fato, a rememoração de episódios relacionados com recentes levantes de militares estaduais e federais.

    Incide, basicamente, o critério ratione materiae . Entretanto, em que pese o dispositivo não especificar o sujeito ativo ou passivo ("qualquer que seja o agente"), deve o operador do Direito observar a possibilidade do agente figurar como sujeito ativo do delito (i.e., no delito de Abandono de Posto, apenas o militar da ativa pode ser autor do fato), a competência da Justiça Militar (vide Súmula 53 do STJ) e se a conduta, no caso de civil, teve por intenção atingir, de qualquer modo, a Instituição Militar, de forma menosprezar, ofender ou desmoralizar o militar ou a função que este esteja desempenhando. Assim preconiza o Excelso Pretório (Súmula 298).

    Alguns autores, a exemplo de Alexandre Henrique da Costa [ 13 ], aduzem que os crimes propriamente militares a que se refere o inciso LXI do artigo da CF/88 estariam elencados na 2ª parte do presente inciso, ao se indicar se tratar de crimes militares aqueles que não sejam previstos na lei penal comum. Sob esse título poderíamos enumerar os delitos de Deserção, Violência contra Superior, Recusa de Obediência, etc.

    Questão sempre suscitada, quanto à essa definição, surge quando se observam alguns delitos que, não previstos na lei penal comum, podem ter civis como sujeitos ativos, a exemplo dos delitos de Violência contra militar em serviço (art. 158) [ 14 ] e de Insubmissão (art. 183) [ 15 ]. Nessas circunstâncias seria inviável se afirmar que estes delitos se tratem de crimes propriamente militares.

    Para o jurista Cícero Robson Coimbra Neves a melhor definição de crime propriamente militar seria aquela proveniente da Teoria Clássica, por meio da qual apenas os crimes praticáveis por militares incorporados, em razão da condição de ser militar, poderiam pertencer a esta classe de delitos. Nesta definição, portanto, estariam afastados os delitos que se subsumissem, por exemplo, na alínea d do inciso III do artigo do CPM , tal como nas hipóteses dos artigos 158 e 166 . Essa conceituação se aproxima da adotada por Jorge Alberto Romeiro, a qual também nos filiamos.

    Convém ressaltar, igualmente, a doutrina de Patrícia Silva Gadelha que, com apoio no magistério de Cláudio Amim Miguel e Ione de Souza Cruz [ 16 ], aponta a existência de crimes propriamente militares, tipicamente militares e impropriamente militares. Nessa linha doutrinária os crimes propriamente militares seriam aqueles que possuem apenas o militar como sujeito ativo; os crimes tipicamente militares seriam aqueles que, tal como a Insubmissão, não possuem igual previsão na lei penal comum e que tenham civis como sujeito ativo. A título de exemplo, a Deserção, por essa corrente, seria um crime propriamente e tipicamente militar, visto que só o militar pode ser sujeito ativo e não há delito com igual definição na lei penal comum.

    "II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:"

    O dispositivo em comento elenca os delitos impropriamente militares, ou seja, tipos penais que possuem idêntica definição na legislação penal militar e na legislação penal comum. A ocorrência do crime militar, entretanto, somente incidirá em situações especificadas, seja em razão da pessoa ( ratione personae - sujeito ativo/passivo militar), em razão do serviço ( ratione labore ), em razão do local (ratione loci) e em razão da matéria ( ratione materiae - ordem ou patrimônio militar).

    Alínea a: militar em situação de atividade ou assemelhado contra militar na mesma situação;

    A interpretação com relação ao alcance da presente norma não é pacífica, apesar de, gramaticalmente, apresentar clareza insofismável. Por muito tempo objetou-se a existência de delito entre militares estaduais e federais, fora das demais hipóteses do artigo , sob o pretexto de que o artigo 22 do CPM estabelecer que militares são apenas aqueles incorporados às Forças Armadas para nelas servir em postos ou graduações. Tal questão, a meu ver, restou definitivamente superada a partir da edição da EC /98 que, alterando o artigo 42 da CF/88 , estabeleceu duas categorias de militares: federais (FFAA) e estaduais (PM e BM).

    Por militar em situação de atividade deve ser entendido aquele que se encontra na ativa, ou seja, que não se encontra na inatividade (reserva ou reformado), pouco importando a situação do agente no momento do crime (em serviço, de folga ou licenciado), o movel do crime ou o local do delito (sujeito ou não à administração militar). O critério aqui é apenas o ratione personae, ou seja, leva-se em consideração a qualidade pessoal do sujeito ativo e passivo. Frise-se, igualmente, que para fins de aplicação da lei castrense o militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, se equipara ao militar em situação de atividade (artigo 13 do CPM).

    Tal interpretação não exige muito esforço, uma vez que se fosse desejo do legislador indicar que "atividade" indicasse a necessidade de ocorrer em serviço ou local sujeito à administração militar este não acrescentaria as alíneas b e c, bastando, tão somente, que se acrescentasse o militar em situação de atividade àqueles dispositivos. Mais ainda, ao se buscar interpretação do que venha a ser a dita situação de atividade, nota-se que o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880 /80), em seu artigo , estabelece que:

    "São equivalentes as expressões"na ativa","da ativa","em serviço ativo","em serviço na ativa","em serviço","em atividade"ou"em atividade militar", conferidas aos militares no desempenho de cargo, comissão, encargo, incumbência ou missão, serviço ou atividade militar ou considerada de natureza militar nas organizações militares das Forças Armadas, bem como na Presidência da República, na Vice-Presidência da República, no Ministério da Defesa e nos demais órgãos quando previsto em lei, ou quando incorporados às Forças Armadas."

    No âmbito dos Tribunais de Justiça Militar, STM e STJ (CC 62.095 /RJ , CC 85.607/SP e HC 92.477/RS) e essa situação já se encontra definitivamente pacificada. Porém, no âmbito do STF, há alternância de julgados, ora se admitindo o critério ratione personae (RE 122706 -1/RJ, HC 80249 -4/PE, RHC 80122 -6/SP e CC 7071 -1/RJ) e ora os critérios ratione personae e labore para a configuração docrime militarr (CC 7051 -0/SP, HC 83003 -0/RS, RHC 88122 -0/MG).

    Acrescente-se, em relação ao STM, o surgimento de corrente jurisprudencial indicando a possibilidade de cometimento de crimes militares entre os integrantes das Forças Armadas e os militares estaduais (Recurso Criminal nº 2005.01.07284-0, HC nº 2005.01.034096 -3 e Correição Parcial nº 2007.01.001965-3). A adoção desse princípio, entretanto, no âmbito da Justiça Militar Estadual, somente irá se verificar nos delitos em que o sujeito ativo for militar estadual, uma vez que, em sentido contrário, falece competência para o julgamento de militares federais.

    Alínea b: militar em situação de atividade, em local sujeito a Administração Militar, contra militar da reserva/reformado ou civil:

    Para configuração do delito, nessa circunstância ( ratione loci ), torna-se necessário que o crime tenha ocorrido, no todo ou em parte, em local sujeito à administração militar, trate-se de bem próprio, conveniado ou cedido, a título gratuito ou oneroso. Para Jorge Alberto Romeiro, "lugar sujeito à administração militar é o espaço físico em que, necessariamente, as Forças Armadas realizam suas atividades, como quartéis, aeronaves e navios militares ou mercantes em serviço militar, fortalezas, estabelecimentos de ensino militar, campo de prova ou de treinamento, etc, bem como o que, na forma da lei, se encontrar sob administração militar"[ 17 ].

    A destinação de áreas limítrofes a imóveis, a título de zona de segurança, desde que expressamente indicado o domínio da administração militar, também se inclui como local naquela definição. O TJMSP, na exposição de motivos do Provimento nº 003 /05-CG, externou entendimento no sentido de que passam a ser considerados como lugares sujeitos à administração militar as viaturas, trailers e unidades móveis (Recurso em Sentido Estrito nº 974/05, Recurso Inominado nº 030/04, Recurso Inominado nº 035/04, Recurso Inominado nº 036/04 e Recurso Inominado nº 037/04).

    Excluem-se dessa conceituação os imóveis fornecidos aos militares federais, para fins de moradia, por força do princípio da inviolabilidade do domicílio. A esse respeito, veja-se decisão do STM nos autos do Recurso Criminal nº 1989.01.005859-7/SP.

    Alínea c: militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva/reformado ou civil:

    Aqui se incluem as situações em que o militar esteja no efetivo desempenho das atividades relacionadas com o cargo, comissão, encargo, incumbência, missão, serviço ou atividade militar (ou policial militar) ou considerada de natureza militar, assim como no cumprimento de ordens emanadas de autoridade competente, disposições regulamentares ou legislação em vigor.

    Acrescenta-se, também, a situação em que o militar, estando de folga ou licenciado, por força de função que lhe é inerente, vem a atuar para fazer cessar eventual prática delitiva que terceiro esteja sofrendo, agindo, assim, em estrito cumprimento de seu dever legal. Assim, não age em razão da função o militar que, por força de contrato tácito ou expresso, presta serviços de segurança particular a terceiros e, nessa condição, venha a intervir em fato delituoso, bem como quando age em repulsa a injusta agressão de que tenha sido vítima ou que presencie, fazendo parte diretamente da ocorrência policial.

    Alínea d: Militar durante período de manobras ou exercício, contra militar da reserva/reformado ou civil : Preleciona Moraes (2003, p. 48) que "neste caso o crime se caracteriza como militar quando o agente, militar da ativa, pratica a conduta delitiva durante instruções coletivas de contingentes militares, ou seja, em manobras e outros tipos de exercícios de tropas". O legislador poderia ter suprimido essa menção, uma vez que, por ocasião da realização das atividades, o militar estará efetivamente "em serviço".

    Alínea e: Militar em situação de atividade contra o patrimônio sob a Administração Militar ou a ordem administrativa militar:

    Na lição de Cícero Robson Coimbra Neves, deve-se entender como patrimônio sob a administração militar não só os bens pertencentes à Instituição, mas também aqueles pertencentes a pessoas físicas e jurídicas que, por qualquer forma, se encontram sob responsabilidade da administração militar.

    Segundo Sílvio Martins Teixeira "para que possam alcançar sua finalidade, precisam as forças armadas de um patrimônio sob sua administração, representado pelo material e meios de produzi-lo ou adquiri-lo, assim como pelo dinheiro necessário às despesas de manutenção da tropa e pessoal encarregado de serviço administrativo. Toda ação delituosa que afete esse patrimônio prejudica, ofende a finalidade ou eficiência das forças armadas e, portanto, as instituições militares" [ 18 ].

    Os delitos contra a ordem administrativa militar, compreendida como a organização, existência, finalidade e prestígio moral da Instituição, abarcam os crimes impropriamente militares contra a Administração Militar e contra a Justiça Militar.

    Inciso III:"os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: "

    O dispositivo em comento, ao lado daquele inserto na alínea a do inciso II, talvez seja o que mais apresenta divergências de entendimento. Assim o é porque, se entendermos o crime comum como regra e o crime militar como exceção, estaríamos diante da exceção da exceção. Isto porque, conforme salientado no comando normativo e explicitado na Súmula 298 do STF, a prática de crime militar por civis somente restará configurada se afrontar diretamente as Instituições Militares.

    Considera-se como militar da reserva ou reformado, nos termos da alínea b do § 1º do artigo do Estatuto dos Militares , todos aqueles que alcançaram a situação de inatividade remunerada, aí incluídos os da reserva (aqueles que ainda se encontrem em condições de prestarem serviços na ativa, mediante reversão, convocação ou mobilização) e os reformados (aqueles definitivamente dispensados da prestação de serviço na ativa).

    Diga-se, ainda, que a sujeição dos civis à Justiça Castrense se dá apenas no âmbito federal, ao passo que à Justiça Militar Estadual se sujeitam apenas os militares inativos. Compreende-se, no presente inciso, os crimes propriamente militares e impropriamente militares insertos nos incisos I e II do artigo 9º, desde que sejam observadas determinadas condições e a conduta dos agentes seja direcionada à prática de ofensa ou afronta à Instituição Militar.

    Alínea a: contra o patrimônio sob Administração Militar ou contra a ordem administrativa militar; Remetemos o leitor aos comentários expostos na alínea e do inciso II quanto ao que venha a ser entendido como patrimônio militar ou ordem administrativa militar. Estariam abarcados, portanto, os crimes contra o patrimônio, a Administração Militar e a administração da Justiça Militar.

    Alínea b: em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou contra funcionário da justiça militar ou ministério militar no exercício de seu cargo ; O critério aqui exposto é o ratione loci , nos termos em que esclarecido na alínea b do inciso II. A única menção a ser feita, entretanto, além das considerações anteriormente expostas, se refere aos sujeitos passivos do delito, uma vez que, na lição de Célio Lobão, existe uma impropriedade redacional na presente alínea, porquanto que, em se tratando de funcionário da Justiça Militar ou Ministério Militar, a competência para o julgamento se insere na jurisdição comum, federal ou estadual.

    Alínea c: contra militar em formatura ou durante período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; O disposto nessa alínea se aproxima muito daquele preconizado na alínea d do inciso II, variando, tão somente, quanto ao sujeito ativo do delito. Convém trazer à colação, para maior compreensão dos termos consignados, as definições apresentadas por José da Silva Loureiro Neto [ 19 ]:

    Formatura - lexicamente, significa ato ou efeito de formar, alinhamento e ordenação de tropa. Período de prontidão - lapso temporal em que a tropa permanece em sua unidade em estado de alerta para eventual deslocamento.

    Vigilância e observação - ato ou efeito de vigilar, espreitar. Exploração - procurar descobrir, percorrer, estudando; em regra, explora-se terreno para cumprimento de alguma missão;

    Exercício - refere-se a adestramento de tropa.

    Acampamento - estacionamento de tropa em barracas.

    Acantonamento - deriva de acantonar, que significa dispor ou distribuir tropas por cantões; é o lugar onde se acantonam tropas, aproveitando das instalações existentes.

    Manobras - também visa ao adestramento da tropa com seu deslocamento da unidade.

    Alínea d: a inda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim ou em obediência a determinação legal superior;

    O regular desempenho das atividades desempenhadas pelas Instituições Militares, sejam federais ou estaduais, é essencial para o cumprimento de suas finalidades constitucionais. Denota-se, assim, a preocupação em se garantir a eficiência e eficácia na atuação dessas instituições. Nos dizeres de Antonio Pereira Duarte, "quando praticada uma ação delituosa contra um militar de serviço - e aqui envolve vários atos de serviço, são atingidas as próprias Instituições Militares, razão por que o delito se especializa, caracterizando-se como militar" [ 20 ].

    Esclarece Célio Lobão que atividade militar é "o conjunto de atribuições conferidas por disposição legal ou por determinação de autoridade competente, ao militar federal ou ao militar estadual, na condição de integrante de corporação militarizada" , que abrange, por conseguinte, a sua atividade precípua (defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais [FFAA] - policiamento ostensivo e extinção de incêndios/salvamentos [PM e BM]) e a secundária (garantia da lei e da ordem - preservação da ordem pública e defesa civil).

    Como vimos, portanto, função de natureza militar é aquela relacionada pelas normas constitucionais e infraconstitucionais como de competência atribuída às Instituições Militares. Para o Estatuto dos Militares , função militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar (artigo 23). Algumas Instituições Militares incluem, também, as funções executadas em outros órgãos ou entidades da Administração Pública, desde que expressamente previstos em lei. 5. CASOS ESPECIAIS

    Como se viu até o presente momento, a conformação do crime militar é tarefa que exige redobrada atenção por parte do operador do Direito. Isto porque a subsunção do fato concreto ao delito castrense, por se tratar de norma penal de tipicidade indireta, exige a presença de vários requisitos ligados à adequação típica na Parte Especial e Parte Geral, bem como relacionadas com a competência ratione personae . Para nos aprofundarmos ainda mais sobre o tema abordado, tomamos a liberdade de apresentar alguns temas, sem a pretensão de esgotar o assunto, obviamente, uma vez que se tratam de assuntos cada vez mais presentes nas Instituições Militares.

    5.1. O Advogado Militar

    A Carta Magna prescreve que o Advogado é indispensável à administração da justiça, estabelecendo o artigo da Lei nº 8.906 /94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB) que não constitui injúria ou difamação punível qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB pelos excessos que cometer (§ 2º), permitindo a sua prisão em flagrante, por motivo do exercício da profissão, apenas nos casos de crimes inafiançáveis (§ 3º).

    O Código de Ética e Disciplina da OAB , por sua vez, elenca como deveres do advogado, entre outros, a atuação com destemor, independência, honestidade, decoro e veracidade, de forma a contribuir com o aprimoramento das Instituições, do Direito e das leis (artigo 2º). Aponta, igualmente, que em suas relações profissionais deve preponderar o respeito, a discrição e a independência, impondo-lhe atuar com lhaneza e emprego de linguagem escorreita e polida (artigos 44 e 45).

    Aos militares, enquanto no serviço ativo, é vedado o exercício da advocacia, mesmo em causa própria, conforme determina o inciso VI do artigo 28. Assim, desejando exercer esse múnus público, deve o militar passar para a inatividade, ex-officio (posse em cargo público ou reforma por incapacidade física definitiva), a pedido ou pela aquisição do direito de aposentação.

    Analisando-se as disposições legais, doutrinárias e jurisprudenciais, chegamos à seguinte conclusão: o advogado, militar ou civil, pode cometer crimes militares, mesmo no exercício da profissão, sujeitando-se, amplamente, ao julgamento pela Justiça Militar Federal. Quanto ao âmbito da Justiça Militar Estadual, apenas o advogado militar poderá responder perante essa especializada, devendo o advogado civil ser processado por crime comum no âmbito da Justiça Comum Estadual.

    5.2. O Parlamentar Militar

    A Constituição Federal estabelece em seu artigo 53 que os membros do Congresso Nacional são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, sujeitando-se, desde a expedição do diploma, a julgamento perante o STF e prisão em flagrante apenas nos casos de crime inafiançável, regras essas que são aplicáveis, por simetria, aos Deputados Estaduais, conforme § 1º do artigo 27 . Os Vereadores, por força do inciso VIII do artigo 29, gozam de inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.

    Tratam-se, como indica o § 8º do artigo 53, de imunidades concedidas aos parlamentares, a fim de que possam exercer com a necessária independência as atividades para as quais foram eleitos. Nos dizeres de Alexandre de Moraes, essas "garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, são admitidas nas Constituições para o livre desempenho do ofício dos membros do Poder Legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quorum necessário para deliberação" [ 22 ].

    Em brilhante e completo artigo sobre o tema, o preclaro Cícero Robson Coimbra Neves conclui ser perfeitamente possível o cometimento de crime militar por militares detentores de cargos eletivos, desde que observada a incidência ou não das imunidades parlamentares [ 23 ].

    O jurista Ricardo Henrique Alves Giuliani também nos oferta interessante artigo a respeito da competência para processamento e julgamento de Prefeitos e Deputados Estaduais nos crimes militares, no âmbito da Justiça Militar Federal, para onde remetemos o leitor [ 24 ].

    5.3. Serviço Auxiliar Voluntário

    De acordo com William Platner, em pesquisa monográfica que buscou verificar a viabilidade da implantação do serviço temporário na atividade meio da Polícia Militar do Paraná, "o serviço voluntário, já foi genericamente tratado na Lei Federal nº. 9.608 , de 18 de fevereiro de 1998, mas nesta não há previsão de remuneração, ou direitos trabalhistas" [ 25 ]. Com a edição da Lei Federal nº 10.029 , de 20 de outubro de 2000, estabeleceu-se normas gerais para a prestação voluntária dos serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas policiais militares e corpos de bombeiros militares.

    Segundo o autor, "tal lei veio a assegurar uma possibilidade de incremento de efetivos nas Polícias Militares, visando a reforçar os recursos humanos dessas Corporações, quando escassos, dentro da conveniência e oportunidade administrativa". Para Claudir Roberto Teixeira de Miranda, em perfunctória análise sobre a legislação, "o importante é a contribuição social revelada e devolvida para a sociedade neste projeto de integração dos jovens, mormente nesta fase da vida, em que as facilidades para a delinqüência devem a todo custo ser combatidas e as oferta de oportunidade para o crescimento e exercício condigno da cidadania deve ao máximo ser estimulada" [ 26 ].

    Essa prestação voluntária de serviços, de regime jurídico especial, remunerada por meio de auxílio mensal indenizatório, tem duração de um ano, prorrogável por, no máximo, igual período, podendo ser em prazo inferior nas condições em que especifica, admitindo-se homens e mulheres maiores de 18 anos e menores de 23, que, no caso dos homens, circunscreve-se ao efetivo que exceder às necessidade de incorporação das Forças Armadas.

    Em que pese permitir aos Estados a livre conformação dos requisitos necessários para o desempenho das atividades inerentes aos serviços a serem prestados, veda peremptoriamente, sob qualquer hipótese, nas vias públicas, o porte ou uso de arma de fogo e o exercício do poder de polícia. Note-se, outrossim, que a lei silencia por completo em relação à sujeição dos voluntários a estatutos disciplinares ou aos delitos castrenses.

    Interna corporis , os voluntários recebem as seguintes denominações:

    - Soldado Temporário PM: São Paulo (Lei nº 11.064 /02), Mato Grosso (Lei nº 7.729 /02), Goiás (Lei nº 14.012 /01) e Alagoas (Lei nº 6.451 /04);

    - Soldado PM Temporário e Soldado Bombeiro Temporário: Roraima (Lei nº 430 /04);

    - Voluntário PM Temporário: Acre (Lei nº 1.375 /01).

    À exceção do Estado do Acre, cuja legislação de regência determina expressamente a sujeição dos voluntários à lei penal militar e ao estatuto disciplinar, equiparando-o, na escala hierárquica, ao Aluno Soldado PM, os demais Estados determinam a aplicação, no que couber, das normas aplicáveis aos militares estaduais, delegando ao Comandante-Geral das Polícias Militares a edição de normas complementares para aplicação do disposto na lei de origem.

    Ocorre que, assim como o Estado do Acre, impôs-se aos voluntários, por meio de normas internas, sua sujeição ao Estatuto Repressivo Castrense, olvidando-se, entretanto, do abuso do poder regulamentar e da inobservância das normas constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à espécie. Essa sujeição ao diploma castrense veio, a posteriori , a ser confirmada pela Justiça Militar Estadual de São Paulo, a qual, inclusive, segundo o eminente Abelardo Julio da Rocha, já teve a oportunidade de decretar a perda de graduação de Soldados PM Temporários [ 27 ].

    Para o citado autor, em arremate ao artigo elaborado:

    "As características intrínsecas do serviço voluntário impedem que haja qualquer vínculo empregatício com a Administração, o que reforça a idéia de que a denominação de Soldado PM Temporário, dada pela própria Lei Estadual 11.064 /02, não outorga ao prestador de serviço voluntário na Polícia Militar graduação.

    Tratando-se de civil, incabível, então, a sujeição do Soldado PM Temporário ao Código Penal Militar , em qualquer hipótese.

    Também, neste sentido, mostra-se de todo descabida a submissão do Soldado PM Voluntário a Processo de Perda de Graduação de Praça na Justiça Militar estadual [ 28 ]."

    Contrapondo-se ao estudo acima apresentado, o ilustre Claudir Roberto Teixeira de Miranda, fundamentando-se em extenso e bem elaborado artigo e na sentença lavrada nos autos do Processo nº 35.535/03 da 1º Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, aponta que:

    "Por fim, sob a ótica administrativo-disciplinar e penal resta claramente demonstrado que ante a ausência de disposição legal que defina as regras regentes dessa atividade, não cabe ao administrador, até por permissivo legal existente, outra opção que não a aplicação das normas regentes dos militares do Estado aos integrantes do SAV.

    Este parâmetro é calcado na inexistência de regras que melhor definam o exercício dessa função, e a aplicação de outro sistema jurídico não contemplaria as situações peculiares da vida de caserna. Daí, a aplicação do Regulamento Disciplinar, do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar ser a melhor forma de conjugação dessa função no ambiente em que se inseriu [ 29 ]."

    Em pesquisa junto aos julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, nos processos de sua competência, se constata que a fundamentação para aceitação da sujeição dos voluntários aos rigores dos diplomas castrense variam, em maior ou menor grau, na interpretação dos artigos 21 e 22 do CPM , do artigo 327 do CP , em motivação exposta na Apelação nº 5.430 /05 e no julgado proferido pelo STJ nos autos do CC nº 54.518 /SP .

    O Processo nº 35.535/03 (Apelação nº 5.430/05) foi alvo de impetração de Habeas Corpus junto ao STJ (HC nº 62.100/SP) , tendo sido anulado, desde o recebimento da denúncia, por força de absoluta incompetência da Justiça Militar Estadual e ofensa ao princípio do juiz natural, restando decidido que, na condição de civil, o processamento e julgamento do fato que lhe era imputado (Peculato-furto) compete à Justiça Comum.

    Assim, tendo a legislação infraconstitucional sujeitado o voluntário aos preceitos de regulamentos disciplinares, por meio dos quais se infere a possibilidade de prisão por transgressão militar e instauração de processo administrativo para seu desligamento, resta claro que estes são atos disciplinares militares decorrentes do poder disciplinar da Administração Pública e suscetíveis de apreciação, portanto, pela Justiça Militar Estadual, em razão da competência ratione materiae .

    Em face do que acima foi exposto, alinhamo-nos com o pensamento do jurista Abelardo Julio da Rocha no sentido de que não é possível a sujeição do voluntário ao diploma repressivo castrense.

    6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Em face da escassez de obras doutrinárias e de sua não inclusão nos currículos dos cursos jurídicos, o Direito Militar tem se tornado, pouco a pouco, um ilustre desconhecido. Bem por isso, gracejam interpretações equivocadas em torno do que venha a ser o crime militar.

    A conformação do crime militar, por apresentar tipicidade indireta, é tarefa que exige amplo conhecimento do hermeneuta, principalmente sobre as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria. Conforme se viu, há necessidade de subsunção do fato à Parte Especial do CPM e em alguma das situações descritas nos artigos e 10º.

    Buscamos, assim, lançar uma pequena contribuição à discussão e aperfeiçoamento do estudo desse intrigante ramo especializado da Ciência Jurídica, tão presente e, ao mesmo tempo, ausente, no nosso diaadia.

    1. Aplicação de penas restritivas de direitos na Justiça Militar Estadual. Jus Militaris. 31 out. 2008. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=268. Acesso em 03 dez. 2008.

    2. Um estudo acerca da natureza jurídica do Direito Penal Militar. Jus Militaris. 17 set. 2008. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=260. Acesso em: 03 dez. 2008.

    3. Apud ESCOBAR JUNIOR, Lauro César. Crime militar e crime comum - aspectos práticos. Caderno Jurídico. Direito Penal Militar e Processual Penal Militar. São Paulo, v 6, nº 3, p 224, julho/dezembro 2004. p. 101. Disponível em: http://www.esmp.sp.gov.br/publicacoes/caderno_8.pdf. Acesso em: 03 dez. 2008.

    4. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2004. p. 137.

    5. Apud Ministro Paulo Brossard. RE 122706/RJ . Relator para o acórdão Ministro Carlos Velloso. p. 43. Confira-se, nesse voto, a brilhante incursão histórica efetuada pelo ilustre Ministro.

    6. Apud Ministro Paulo Brossard. Idem. p. 48.

    7. Apud Ministro Paulo Brossard. Ibidem. p. 49.

    8. Correa, Elias da Silva. Um estudo acerca da natureza jurídica do Direito Penal Militar. Jus Militaris. 17 set. 2008. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=260. Acesso em: 03 dez. 2008.

    9. Apud CORREA, Elias da Silva. Op. cit.

    10. Apud DESCOVI PACHECO, Eliana. Justiça Penal Militar. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 41, 31 mai. 2007. Disponível em: http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1885 Acesso em: 03 dez. 2008.

    11. NEVES, Cícero Robson Coimbra. Tipificação legal dos crimes praticados por militares detentores de mandatos eletivos. Jus Militaris. 15 out. 2006. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/?seção=doutrina&cat=10. Acesso em: 03 dez. 2008. Para um maior aprofundamento sobre o tema indicamos ao leitor a seguinte obra: NEVES, Cícero Robson Coimbra e STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar - Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 161-2

    12. Art. 330 - "Desobedecer a ordem legal de funcionário público" (CP). Art. 301. "Desobedecer a ordem legal de autoridade militar" (CPM).

    13. COSTA, Alexandre Henriques da, Lourenço, Carlos Botelho, Merlo, Sérgio de Souza. Roteiro de investigação e registro dos crimes militares. São Paulo: Editora Gráfica Bernardi, s/d.

    14. Art. 158. "Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou contra sentinela, vigia ou plantão". Sobre esse delito, confira-se: Apelação nº 2005.01.050140-1 e Apelação nº 2004.01.049578-9.

    15. Art. 183 . "Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação". Sobre esse delito, confira-se: Apelação nº 1998.01.048047-3 e Apelação nº 1998.01.048082-1.

    16. Vide a obra Elementos de Direito Penal Militar.

    17. Apud COSTA, Alexandre Henriques da. Op. cit. p. 35.

    18. Apud COSTA, Alexandre Henriques da. Op. cit. p. 36.

    19. Apud COSTA, Alexandre Henriques da. Op. cit. p. 37.

    20. Ato de serviço e suas conotações administrativa e penal militares. Texto de Palestra proferida aos Oficiais Generais do Estado Maior da República de Angola, no dia 23 de julho de 2008. Disponível em: http://www.mpm.gov.br/site/mpm/servicos/assessoria-de-comunicacao/Palestra%20Duarte%202.pdf. Acesso em: 04 dez. 2008.

    21. Direito Penal Militar. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 122.

    22. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 420.

    23. Tipificação legal dos crimes praticados por militares detentores de mandatos eletivos. Jus Militaris. 15 out. 2006. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/?seção=doutrina&cat=10. Acesso em: 03 dez. 2008.

    24. Prefeitos e Deputados Estaduais e a Competência para o Processamento e Julgamento nos Crimes Militares. Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais. Revista de Estudos & Informações, nº 21 , mar. 2008. p. 25-9. Disponível em: http://www.tjm.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=48. Acesso em: 03 dez. 2008.

    25. Civis no Desempenho Temporário da Atividade Policial Militar - "Soldado Temporário". Monografia de conclusão de curso de Especialização em Segurança Pública, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2007. p. 16.

    26. O Serviço Auxiliar Voluntário na Polícia Militar do Estado de São Paulo: Uma Visão Teleológica e Conjuntural da Função. Polícia Militar do Estado de São Paulo. Revista A Força Policia, nº 49, jan/fev/mar 2006. p. 49.

    27. Processo de Perda de Graduação de Praças nº 683/04 e 684/04. Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.

    28. Apontamentos acerca do eventual ressurgimento da figura do assemelhado na Polícia Militar de SP. Jus Militaris. 15 out. 2006. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/?seção=doutrina&cat=10. Acesso em: 03 dez. 2008.

    29. Op. cit. p. 62.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876171
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações18073
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/crime-militar-e-suas-interpretacoes-doutrinarias-e-jurisprudenciais-benevides-fernandes-neto/969554

    Informações relacionadas

    Fernanda Gonçalves, Advogado
    Artigoshá 5 anos

    Crimes militares

    Superior Tribunal Militar
    Jurisprudênciahá 3 anos

    Superior Tribunal Militar STM - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: RSE XXXXX-56.2021.7.00.0000

    Edmar Pinto de Assis, Advogado
    Artigoshá 5 anos

    As alterações trazidas pela Lei nº 13.491/2017 e a competência da Justiça Militar.

    Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
    Artigoshá 9 anos

    Crimes militares próprios e impróprios

    Jurisprudênciahá 9 anos

    Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais TJM-MG: XXXXX-94.2014.9.13.0001

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)